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Comentário do P. Amando Llorente, S.J.

(Irmão do P. Segundo, diretor da

Agrupación Católica Universitaria)

Se eu quisesse a fórmula que fez possível uma vida tão plena e uma morte tão santa, creio que poderíamos encontrá-la no modo de ser de Segundo, seu caráter, sua personalidade , sintonizavam tão perfeitamente com o ideal ignaciano , que o dia que o conheceu disse: "Este é o meu ideal!" e o viveu pelnamente.

Os jesuítas, quando queremos falar de Santo Ignácio, dizemos "o magis" ignaciano: magis , uma palavra latina que quer dizer mais. Santo Ignácio sempre buscava o mais; não o bom, senão o melhor; não a glória de Deus, senão a maior glória de Deus ; não "servir" a nosso Senhor, senão distinguir-se no serviço ao Senhor. Sempre o mais. E Segundo nasceu para " o Mais".

Quando fez quinze anos disse ao meu pai: "Eu quero ir para o seminário; quero ser sacerdote". Quase seguro, porque o pároco do povoado era o personagem mais importante, e Segundo queria ser importante: "Para ficar como todos os demais, ser o mais importante do povoado... Aqui o que sobressai é o Cura, o pároco... - Eu vou para o Seminário".

Foi para o seminário da diocese de León. E estando no seminário , chega um jesuíta e da exercícios (retiro) aos seminaristas. E ao fazer os exercícios, Segundo disse: "Como eu vou ficar?..." Eu , jesuíta.! " Estando no noviciado, passa por ali um missionário da China e fala aos noviços "Vocês, que vão fazer na Espanha? Na Espanha, quem se condena é porque assim o deseja; têm todos os meios para salvar-se, têm igrejas, têm sacerdotes, têm tudo... Porém há milhares e milhões de pagãos que nunca ouviram falar de Jesus Cristo...".

Esta conversa bastou para que Segundo dissesse :"Às missões!". E se há que ir às missões - Qual é a mais difícil? Naquele momento Pio XI havia escrito que a missão do Alasca era a tarefa mais heróica da Igreja Católica, e o Alasca entrou no coração de Segundo e em sua alma, em suas ilusões, em seus ideais... e já não era mais "Alasca!".

Porém Alasca não lhe pertencia como jesuíta. Ele disse ao provincial que queria ir para o Alasca... " Alasca? Onde está isto? Que pensa você do Alasca?. Bem, está bem, este é um fervor muito bom, porém continua estudando latim e grego...".

- Ah, sim? Carta ao padre geral, o famoso Padre Ledochowski, que governou a Companhia de Jesus quase quarenta anos e deixou uma pegada indelével como geral da Companhia: "Eu, Segundo Llorente, que tenho agora dezessete e começo a estudar filosofia,... quero ir para o Alasca!".


O padre geral respondeu como o provincial: " Continue sendo bom estudante, prepare-se para ser sacerdote, e depois vá aonde os superiores lhe mandarem...".

Muito bem. Segundo deixou passar o ano. Voltando aos Exercícios do segundo ano: e São Ignácio disse nos exercícios que há um chamado, e ele escutou o chamado; e no chamado sentia : "Alasca!".

Segunda carta ao padre geral: "Sigo pensando que minha vocação é o Alasca...". Então o padre geral respondeu: "Vejo que têm vocação missionária. Porém sua província têm missões na China..." Porém a China não o atraia. Esperou outro ano. Era o terceiro ano de filosofia, e o estava fazendo em Granada, aos vinte anos. Escreveu outra carta ao padre Geral e lhe disse: " Sigo do mesmo jeito ; acabo de fazer os exercícios; de ante de Nosso Senhor estou seguro de que meu Deus me chama ao Alasca; portanto suplico-lhe Padre Geral...".

O Padre Geral viu uma indicação da vontade de Deus e respondeu de seu próprio punho e letra: "Com esta carta minha, vai outra para seu provincial e outra para a província de Oregon, que é a que pertence o Alasca, para que, se seu provincial o considerar correto, e se o médico o aprovar e ver que você pode aquentar o clima do Alasca...".

Segundo não tinha medo de uma avaliação médica. Contava que o médico lhe disse:" Se alguém pode resistir ao frio do Alasca é este boxeador"; porque Segundo era muito forte, muito vigoroso, com uma saúde que durou até 3 meses antes de morrer, em quarenta anos no Alasca nunca perdeu a saúde.

Assim , pois, preparou-se para o Alasca. Adeus a toda a família para sempre; dali hão havia volta - meu irmão nunca mais viu meus pais, nem meus pais o conheceram como sacerdote nem puderam ouvir uma missa sua...

Uma carta que me escreveu muitos anos depois dizia-me o que lhe custou decidir dar adeus a família. Segundo me dizia:

"Quando passava pela casa e os via, não quis dizer nada; porém por dentro

estava convencido de que não voltaria mais ao lar. Recordo que um dia

enquanto dormia a sesta no quarto de cima, ouvia os pequenos brincar em

baixo e veio-me um copioso pranto. E uma vez mais precisava escolher entre

ficar e remendar redes ou seguir a Jesus. Afortunadamente, relictis retibus,

secutus sum Jesum; deixando as redes, fui com Jesus... Outra vez no colégio

de Havana, ao descer com a mala para ir ao barco americano, que balançava

na baia, um menino do colégio, foi detido na portaria porque queria ir para

casa; e ao ser detido chorava desconsoladamente chamando por sua mãe.

Eu estremeci todo, sem poder evitá-lo, senti que me enchiam os olhos de

água, estando nós dois em posição semelhante; ele como criança,

lamentava a ausência de uma semana, eu crescido, divagava sobre a

ausência de toda uma vida."

Aos vinte e três anos, sozinho e sem saber uma única palavra em inglês, foi aos Estados Unidos para estudar Teologia em Kansas City. Ali passou quatro anos de estudos, e quando se ordenou sacerdote, em 1953, aos vinte e oito anos, foi para o
Alasca.

Como para mim Segundo foi sempre uma inspiração e um ideal, em 1953 senti a necessidade de vê-lo e saber onde estava e o que fazia. Cometi a grande loucura e imprudência, que agora muito me alegro, de surpreendê-lo sem consultar-lhe em nada, em pleno Mês de fevereiro.

Assim lancei - me no que foi uma bonita epopéia. Ao final de uma longa e difícil viagem cheguei na cabana de uma missionário do Alasca. Diante do meu evidente assombro quando vi aquilo, me disse "Que lhe parece a minha casa?" Um pouco pequena, não? E um pouco fria... Pois ela é um palácio, você verá quando ver onde vive seu irmão!".

Recebeu-me como a um hóspede, para que ficasse ali. Eu lhe disse:" Venho para ver meu irmão" . E ele me disse:" Você já está no Alasca. Aqui não há dias, nem semanas, nem meses. Acabaram-se as comunicações. Se você tiver a sorte que teve o bispo no ano passado por esta data... Veio ver-me e precisou ficar aqui devido a uma tempestade de neve que durou vinte e nove dias; não morremos de fome por milagre: por acaso, eu tinha alguns salmões congelados, os quais fomos comendo... Não podíamos sair da cabana nem ir a lugar nenhum. Vinte e nove dias!."

Para dormir, colocamos umas peles de urso no chão e nos deitamos. Ele me disse: "Tenha cuidado onde coloca os pés, para que não cerre a porta; porque durante a noite pode entrar alguém. Facilmente algum esquimó, dos que andam por aí vagando com seus trenós , pode necessitar de entrar. A porta deve estar sempre aberta, porque é uma questão de vida ou morte; é uma lei no Alasca que nada feche a porta, caso alguém necessite de entrar de noite.

Já deitados no chão, escuto ladrar os cães de maneira terrível, como vento de neve,

e sons imponentes ao longe... "E isto o que é?". "São os lobos que têm fome. Os cachorros latem por isto...! Eu vinha de Habana, e pensava "Está bem assim!". Porém também me dizia:" Até que eu o veja, não volto atrás, morro, porém vejo o meu irmão".

E no fim o consegui. Em plena tundra, tudo era noite (porque em fevereiro sempre é noite no Alasca), e no meio daquele vale de neve vejo que meu irmão caminha para mim.

Queríamos abraçar mas não podíamos, porque estávamos vestidos como astronautas

E nos demos as mãos com uma emoção incrível. Foi um encontro fantástico.

(Quando eu segura as suas mãos, pouco antes de morrer, lembrei-me tanto daquela primeira vez quando lhe havia dado as mão na tundra...)

Nós sentamos em uma velha cama e começamos a falar. "O que se fala neste momentos?, Crêem que falamos de teologia? Da companhia de Jesus? Pai, mãe, irmãos! Como está este? E como está aquele outro? Ele não conhecia a ninguém. "E este, como é? De que gosta este?." Depois disse:" Agora vamos percorrer o povoado, casa por casa, eu posso lhe dizer onde vivem os vizinhos, e até os nomes de seus cães". Íamos assim falando os nomes... "Saltou um"" dizia.

Eu lhe perguntei: " Então, Segundo, o que você faz aqui? Você quer salvar almas? Venha para ... Alí há 15.000 almas para salvar. Olhe as almas dos cubanos não valem o mesmo que as almas dos esquimós?" E ele me respondeu: " Como é bom dizer que a Igreja é Católica, universal, que necessita estar em todas as partes. Os esquimós também são filhos de Deus, e a mim coube o privilégio de ser seu missionário. Aqui está a Igreja católica, graças a nós missionários".

E então veio o piloto que havia me levado até lá e disse: "Já estou indo". E Segundo : "Amando, você decide o que fazer; se ficar, quando poderá sair? Ninguém sabe. Eu tenho o meu trenó e não tenho problema, porém, você como sairá daqui? Esta é sua oportunidade."

"Quatro horas! Depois de estar a quatro dias buscando - o..."

Acrescentou: "Vamos rezar a missa por nossos pais". Celebramos a missa; foi emocionante, porque estávamos em Akulurak ( De meu pai, quando morreu, a última palavra que escutamos foi Akulurak, onde estava seu filho mais velho: não estava alí com ele, porém o tinha no coração).

Celebramos a missa e eu tive que correr para alcançar o aviãozinho e partir.

Identificou-se de tal maneira com os esquimós que, quando o Estado do Alasca cresceu e tornou-se livre, aconteceram as primeiras eleições; e Segundo Llorente foi o representante do Alasca, porque os esquimós o elegeram. Meu irmão mandou uma carta dizendo que renunciava, que não era apropriado. Eles responderam que não renunciasse, pois era a primeira eleição dos esquimós e isto era dar-lhes mal exemplo; Que olhasse não como uma honra e sim como uma maneira de servir.

Quando o Alasca ficou rico devido ao petróleo, não sabiam que fazer com os brancos que haviam ficado ali tantos anos, aqueles que no final eram os responsáveis por chegar aonde chegou. Então fundaram o "Clube dos fundadores do Alasca". A condição era ser branco - que tivesse vindo de fora para trabalhar no Alasca - com trinta anos de serviço no Alasca, que houvesse feito alguma coisa importante. O presidente eleito por unanimidade: o missionário Segundo Llorente!

"Que fez no Alasca para os esquimós? Disse-me um padre na universidade de Gonzaga: "Eu perguntei ao seu irmão uma vez: "Padre Llorente - o que fez durante 40 anos no Alasca?. Em um tom como se dissesse: "para que você perdeu tanto tempo ali?, e ele me respondeu:" Estive quarenta anos ensinado aos esquimós... a fazer o sinal da cruz. E só com isto já fico contente."

Deus Nosso Senhor o usou, não tanto para fazer bem aos esquimós, senão para que dali, com o talento que Deus lhe deu como escritor, começasse a escrever cartas e artigos que se converteram em livros; chegou um momento que nos seminários os noviços se enchiam de entusiasmo pelas aventuras do missionário do Alasca. Eu encontrei dezenas e dezenas de religiosas e sacerdotes que me disseram: "Devo a vocação aos livros de seu irmão.". Porque, realmente, contagiava com a alegria imensa que tinha de ser sacerdote e de ser missionário, e nunca a perdeu.

Chegou o ocaso. Foi rapidíssimo: sempre teve uma saúde fantástica, e três meses antes de morrer me chamou:

"Amando, quero dizer-lhe que Segundo Llorente acabou para este mundo e começa em outro. Disseram-me que tenho câncer, e eu chamei o provincial para disser-lhe que não quero nenhum tratamento. Não fique triste, porque há anos que só sonho em ir para o céu. Deram-me a notícia mais feliz da minha vida, e não quero que nem um minuto deste céu, que estou seguro de ir, seja tirado de mim; não posso duvidar disto."

Eu o via todas as semanas, e a cada vez sua voz era mais tênue, mais difícil. Os jesuítas da Universidade de Gonzaga o trataram como a um rei, com as melhores atenções que podiam ter de carinho e dedicação: todos os dias iam vê-lo, alguns lhe beijavam a face, todos lhe pediam a benção; eu vi americanos com lágrimas, dizendo:" Este grande homem... Este homem é um herói e um santo."

Quando fui chamado quinze dias antes , a enfermeira havia dito que estava muito mal, que se eu pensava em ir, na próxima semana poderia ser demasiado tarde.

Decidi ir em seguida. O encontrei plenamente consciente , incrivelmente feliz e contente. Ao abraçar-lhe me disse: "Não pense em fazer uma oração por minha saúde. Não o faça. Peça que seja rápido. Estou esperando o encontro com Nosso Senhor."

E olhou o relógio... Perguntei a enfermeira porque e me respondeu:" Também eu perguntei a ele, e ele me disse: É que estou esperando o encontro com Nosso Senhor... pode vir agora, a qualquer momento."

Nestes três dias falamos de tudo; porque, ao mesmo tempo que falava de Deus, contava-me uma piada, ou uma anedota do povo: "lembro que uma vez..." e começávamos a rir.

Disseram-me as enfermeiras: "Não sabemos o que você trouxe, porém trouxe a melhor medicina." Eu lhe levei a minha família. E lhe falei de todos: meus pais, meus sobrinhos... E isso é muito importante... Fiquei maravilhado quando vi entre seus papéis a fotografia e todos e de cada um de seus irmãos com toda sua família, e de todos e cada um de seus sobrinhos com toda sua família: todos as crianças, em cartolinas, um por um. Disse-me: "todos os dias antes de celebrar a missa as vejo, para pedir por todos".

Eu tinha que regressar, pois tinha um retiro, uns Exercícios; a morte nunca se sabe quando há de chegar... Ele estava bem servido; devia dar o exemplo, e me disse: "Não deixe de ir aos exercícios, este é seu dever, eu não necessito de nada, tenho

Deus e tenho tudo, não se preocupe com nada..."

Pedi-lhe algumas cartas para toda a família. Ele escreveu: "Morro contentíssimo. Aqui já é o céu, que mais posso esperar? Lá todos nos veremos. Quero-lhes muito. Segundo". Este foi o testamento que deixou a todos nós, irmãos e sobrinho.

Quando o padre superior me chamou , contou-me que havia morrido, rodeado de vários padres, com um sorriso; ao morrer, rejuvenesceu ; parecia ter vinte e cinco anos. Rosado, sorridente...

Sua alma está no céu. Seu corpo foi levado para um lugar precioso: não muito longe dali há um cemitério em uma reserva indígena dirigida por jesuítas. Neste cemitério não podem enterrar senão índios e sacerdotes que ficaram pelo menos vinte anos ao serviço dos índios. Como ele estava ali há quarenta anos, tinha a honra de ser enterrado neste cemitério a umas setenta milhas de Spokane, em uma encosta de frente para as Montanhas Rochosas. O enterraram sob uma lápide que dizia, para todos os jesuítas que estavam enterrados ali, uns dez ou doze:" Na vida e na morte com aqueles que amamos".

Atrevo-me a dizer que podemos nos recomendar a ele. Estou seguro de que tem junto a Deus uma grande influência. Porque ... não lhe negou nada.

Eu lhe havia dito:" Olhe, quando chegar no céu, lembre-se da terra, Não faça favores pequenos, senão coisas grandes: se comover a Igreja, comove a Companhia de Jesus..." E me disse :"Bom. e você acredita que vou mandar no céu? Eu lhe disse: "No céu mandam os amigos de Deus." E ele: "Nisso, não quero que ninguém ganhe de mim".

Texto pertencente ao prólogo do livro "40 anos no Círculo Polar".

Bibliografia resumida Reflexões Cronologia
Comentário do P. Amando Llorente Recordações Fotos do P. Segundo e de seu lugar
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